“Revista Mensal de literatura e arte”
A Labareda auto-intitula-se Revista Mensal de Literatura e Arte e é uma revista saudosista do Porto. Não deve ser confundida com uma outra revista, já sem artigo definido, e publicada dez anos mais tarde, e com uma outra coordenada de pensamento, outra ideologia (na segunda série afirma-se claramente integralista), e que dura 22 números e duas séries (12 números na primeira, 10 na segunda) até 1926.
O belo e moderno desenho de Soares Lopes (1879-1944) abre os dois únicos números da revista e é uma das melhores capas dos periódicos literários modernistas. Trata-se de um homem sentado de costas, uma atitude sintomática e simbólica do carácter arrière-garde do próprio conteúdo.
É a Tipografia Costa Carregal, no Porto, que já se encarregara da impressão de A Águia e A Vida Portuguesa, a responsável pela execução gráfica deste projecto portuense, como desde logo a folha de rosto nos informa. Outros elementos importantes há a resgatar desta página: Narciso de Azevedo (1888-1969) era o director literário (igualmente um colaborador d'A Águia), enquanto que o pintor Joaquim Lopes (1886-1956) era o director artístico. Ainda aluno da então Academia de Belas Artes (actual Faculdade de Belas Artes) do Porto, da qual seria posteriormente professor e depois director no fim da vida (1948-52), a curadoria artística de Lopes é não só conservadora e académica como seguia de perto o estilo impressionista que estudou em Paris durante os anos 20. No que toca à parte artística, então, e sendo uma revista nortenha, apresenta colaboração da fina-flor dos artistas locais: esquissos dos consagradíssimos António Carneiro e Vieira Portuense (dois nus masculinos), bem como o já referido e ainda jovem Adriano Sousa Lopes.
Já na parte literária da revista, o nível de interesse é paralelo: a contribuição é igualmente ecléctica, entre novos e consagrados. Se, por um lado, há uma aposta clara na epistolografia de nomes reconhecíveis - por exemplo, no primeiro número, cartas inéditas de Eça de Queirós e de Camilo Castelo Branco (outra, no segundo número, a Manuel Laranjeira) - por outro lado, a revista é composta essencialmente por poemas da geração nova (Afonso Duarte, Mário Beirão e Teixeira de Pascoaes). Curiosamente, é ao simbolista Eugénio de Castro que cabe a abertura do primeiro número, com um soneto de temática amorosa, com inspiração na cultura clássica ("Na Via Appia", título da ilustração, duas páginas depois, de António Carneiro). Este gosto pelo exótico transparece ainda na contribuição de António Patrício com o seu "Diálogo na Alhambra", talvez o texto mais inesperado e mais curioso da revista: sendo um trecho de teatro situado no monumento andaluz, dois amigos discutem conceitos de arte e estética, pondo em oposição diferentes correntes de pensamento, sugestionados a partir de recantos desse jardim onde a acção toma lugar. Numa palavra, um texto moderno que começa e acaba com uma referência importante para os escritores modernistas: Maeterlink e o seu 'trágico quotidiano'.
Narciso de Azevedo, o director, porém, consubstancia na sua própria contribuição poética, o lado mais tradicionalista e nacionalista da revista, publicando sonetos de um livro a aparecer ('Sonetos Heraldicos', cujo subtítulo é um envio ao mote integralista 'Pola ley e pola grey') onde a religião e a história nacional são protagonistas.
Revista arrière-garde sem programa deliberado ou confesso, encontra-se sob a influência conservadora do saudosismo portuense, de que o desenho moderno do então jovem Adriano Sousa Lopes não é na forma apanágio, ainda que o seja na sua simbologia iconográfica.
Ricardo Marques