[BNP/E3, 141 – 61-80]
"Não tem resposta…"
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Cuidei eu, meu querido José Pacheco, que podia quebrar impunemente, pelo menos nas páginas da Contemporânea, a tradição crítica nacional. Essa tradição é a da inveja, quanto aos sentimentos, e da má-criação, quanto à expressão deles. Aplica-se com largueza, porém com mais estrita referência torna seus objectos os que, nossos pares em idade ou[1] nossos semelhantes no ofício artístico podem ser nossos concorrentes (próximos) à imortalidade mortal dos cabeçalhos jornalísticos
Poucos, se alguns, têm falhado a esta tradição arraigada. Nunca tirou pé dela Camilo. Eça cortejou-a sempre. Fialho viveu dela. São excepções a reciprocidade comercial do elogio mútuo, e os que, por consagração excessiva, não fica bem pôr em questão. Ainda assim, há restrições naturais
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a estas excepções generosas. O elogio mútuo cessa quando deixa de ser exactamente mútuo – no grau como na qualidade. Aos que aqui consagram é de uso atacar quando morrem. É o grande sinal de independência – o único – que exorna a crítica portuguesa: o desprezo científico (a única manifestação científica entre nós) por o de mortuis nil nisi bonum da sentimentalidade clássica.
Fiz mal em querer ser diferente, não só pela presunção que isso revela, senão também pela inadaptação ao meio, e portanto a degenerescência, que representa. § Sendo da mesma geração que António Botto, trabalhando, como ele, também em verso, não tendo assegurado que ele fizesse de mim um elogio público e compensador, o meu dever nacional – patriótico, quando era, sendo eu inábil porém bom português, de o insultar em linguagem escrita ou, sendo igualmente lusitano porém mais hábil, de colocar sobre ele todo o peso que houvesse no meu silêncio.
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Aconteceu-me, porém, no assunto uma daquelas fatalidades que ordinariamente sucedem aos espíritos morbidamente lógicos, e incompetente, pela escassez dinâmica de elementos inconscientes[2], para uma adaptação perfeita ao meio em que viveu. Como achei digno de louvor[3], escuso de dizer artisticamente – de que outra maneira haveria de ser? – o livro Canções, e me parecesse que havia a tendência injusta para ter esse livro por menos artisticamente singelo do que é, achei que me cumpria elogiá-lo, visto que o elogio é ainda – em qualquer tradição humana desconhecida em Lisboa – a forma natural de manifestar o apreço. Errei. Aqui, neste meio artístico que nos cerca, o modo de manifestar o apreço é negar o valor, e a forma usual de dizer bem de alguém, que sentimos que o merece, é calarmo-nos a seu respeito. Não será lógico, porém é nacional, e de sobra nos ensinaram os tradicionalistas que há verdades nacionais diversas das verdades universais. Esta é porventura uma delas.
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Sou pouco instintivo, e portanto intuitivo; é o vício necessário do temperamento do raciocinador. As faculdades de atenção e de vontade, as do juízo e da inteligência abstracta, normalmente[4] submissas ao impulso dos instintos e servindo apenas de esclarecedoras dele e suas orientadoras e auxiliares, assumem, nos temperamentos como o meu, um poder temperamental e tirânico. Nós, os raciocinadores-natos, querendo provar tudo, não convencemos ninguém, porque, sob a pressão mórbida do cérebro anterior demasiadamente activo, perdemos o[5] instinto de convencer (localizado, percebo, em regiões menos nobres do cérebro) por processos que a convicção se leva às almas, não pelo raciocínio, quanto à operação do espírito, e pela prova, quanto ao resultado dela, senão pela fé |cega| e absurda, quanto à disposição impulsora e pela afirmação dogmática e repetida quanto à sua manifestação (dela)[6].
Assim, tendo já ofendido as susceptibilidades dos meus concidadãos com o elogio de um poeta pouco mais novo que eu, a quem eu devia cumprir portanto que me esforçasse por deprimir e |envilecer|, acrescentei a esse crime[7]
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degenerativo, o lógico de ser lógico, a viciosa {…} de pretender convencer pela prosa e provar pela demonstração.
Não me desculpo, não me defendo. Confesso o meu erro, e se tão longamente insisto nele, e falo de mim, e que para confessar-me tenho que explicar-me, e para explicar-me não posso deixar-me inteiramente fora de explicação.
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Não falta, nem sequer tarda, a manifestação, bem clara, bem nacional, bem normalmente antilógica, da reprovação pública a[8] minha insólita atitude. Tendo errado, e tendo, como vício de raciocinador, a tender para preferir confessar os erros a persistir teimosamente neles, quero deixar expresso o meu agradecimento, tanto ao meu amigo Álvaro Maia, que se promoveu a voz do público indignado, como a você, meu querido José Pacheco, que, para desagravo da opinião geral ofendida convidou para as páginas da sua revista o artigo em que, se é certo que eu sou contraditado sem lógica, e o artista sobre quem escrevi agraviado |pessoalmente|[9] sem culpa, o resultado público é contudo desagravo do insulto, escrito do qual, publicando o meu estudo, você, até certo ponto, se tornou responsável.
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Não creia, meu querido José Pacheco, que é por mero cortejo ou estéril galanteio literário, que assim o incluo, com Álvaro Maia, no meu agradecimento. Esse agradecimento é-lhe realmente devido. Nem, quando digo que convidou para as suas páginas o artigo em que Álvaro Maia respondeu a uma Manual Prático de Pederastia que eu não me recordo de ter escrito, nem no futuro, eu me permita escrever ironicamente ou atribuir-lhe qualquer boa-intenção que presumivelmente você não tenha[10] tido.
Propriamente falando, e pelas razões que posso dizer-lhe, o artigo de Álvaro Maia é uma espécie de colaboração entre ele e você. Ele escrevendo-o, e você publicando-o, colaboraram. Mas do mesmo modo – disse você modestamente – colabora você com todos quantos escrevem na Contemporânea. Não é justo para comigo se pensar assim. O caso do artigo de Álvaro Maia não é o de uma colaboração vulgar, e vou provar-lhe (Você e o público que desculpem[11]!) que o não é.
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As opiniões expressas em um artigo assinado não são da responsabilidade da direcção da revista ou jornal que as insere; é-o tão-somente o tom do[12] artigo. Ora qualquer[13] publicação, periódica ou outra, tem forçosamente uma orientação qualquer, de certo modo definida. Com essa orientação tem o artigo inserto, assinado[14] que seja, que convir. Quando não convenha, haverá a culpar, ou a louvar, só das suas ideias o seu autor, da sua orientação, por certo, o director da publicação em que apareceu. Se alguém publicasse na Epocha um artigo vulgarmente cortês para com um protestante ou um judeu[15], com razão culpariam os leitores[16] daquele jornal, de certo modo o seu autor, certamente o sr. conselheiro Fernando de Sousa, alguém incapaz do agravo, que é puro exemplo hipotético. Se nas colunas da Batalha surgisse inesperadamente um escrito combatendo o uso quotidiano dos explosivos como argumento sociológico, o operariado consciente que orienta o seu espírito filosófico pelas lições daquele manual de pseudo-futuro, protestaria decerto, não tanto
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contra o autor do artigo, porém[17] mais vibrantemente, contra o director do periódico – que não sei quem seja, mas que servindo-me o caso e o jornal de simples hipóteses para exemplo, suponho incapaz de faltar assim aos seus princípios humanitários.
É a Contemporânea uma revista de arte e de literatura, e ninguém mais do que eu, meu querido José Pacheco, tem sido assíduo nos louvores a ela e a você, seu director. Não foi estabelecida – |salvo erro ou omissão, como se diz nas facturas| – para fins de polémica, nem para que nela se exemplifique, in anima vili dos próprios colaboradores, o estilo literário que fez a feitura moral do mundo nos saudosos tempos daquela propaganda cujos pomos de oiro estamos todos, que sigam as artes,[18], colhendo.[19].
Assim, aparando nas páginas da sua revista um artigo da espécie a que me refiro, tão manifestamente contrário à índole, não só de uma revista literária, senão também de um jornal decente, e não podendo haver dúvidas sobre a quanto lhe é contrário, porque é um
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flagrante, do estilo e da linguagem[20], que não de ideias subtilmente insinuadas, ou de intenções veladas pela ironia, força é que se conceda que a revista faz suas as afirmações do artigo, pelo facto simples de publicá-lo, e assim entendem opor ao estudo, que publiquei no número anterior[21], numa espécie de retracto oficial, ou desagravo da redacção perante o público.
Só vê você, meu querido José Pacheco, que não é por um excesso absurdo de cortejo que lhe fiz o elogio, justo de ter ganho a coroa de cives servatos, (e) de ter bem merecido da nação.
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Eu sou, como você sabe, uma criatura tímida, é um outro dos defeitos que costuma inerir aos que padecem de raciocinar. E, se occasião houve em que sentisse ou não a hesitação dos tímidos, é esta, em que não sei se o louve, ou se o culpe, da sua altiva atitude.
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Nos nossos tempos de Orpheu, você, é claro, não a tomaria. Isso, porém, não importa para o caso, e adianta menos que pouco. As camaradagens extintas têm, provavelmente, a consistência e o valor das razões dos amigos dignos e firmes, que costumam aparecer[22] metaforicamente e nestas circunstâncias solenes.
Pensando bem, eu creio que você não fez mal. Creio, mesmo, que a visão clínica do caso veria no seu gesto crítico um regresso à saúde, porque uma tendência nítida para a adaptação ao meio. Como, porém, tenho enraizada na memória uma visão de você como camarada de Orpheu e de outras proscrições semelhantes, custa-me um pouco a conciliar a ideia de você com a do meio académico e oficial, a que você se está adaptando. Acostumar-me-ei, naturalmente, como os olhos se acostumam à escuridão. Não veja você meu amigo mais que a justeza: a negrura é acidental.
Perco-me no sonho conjectural do futuro para que você já caminha. E se como antigo camarada o exalto, como amigo de sempre louvo-o. Vejo-o já considerando o nosso pobre Orpheu como um erro da mocidade e um pecado que se expiou. Preferia que você tivesse escolhido, para começo da expiação, outro assunto que não
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o meu artigo sobre António Botto; mas por tão pouco não nos zangaremos. Perco a noção do seu presente e até do meu, na visão do futuro do que se aproxima.
A sua reconciliação com a sociedade será completa quando chegar a hora em que a Contemporânea seja dedicada exclusivamente ao louvor do sr. Júlio Dantas e do sr. Augusto de Castro e do sr. Afonso Lopes Vieira.
Quando chegar essa hora redentora (é aqui que tomo posições), peço-lhe que se não esqueça de mim para panegirista. Ninguém melhor que eu pode servir, porque poucos terão tão pouco[23] conhecimento da obra daqueles senhores.
E se a sua adaptação ao meio vai atingir o grau apoteótico da canonização, crítica dos srs. Adães Bermudes, Simões Almeida Sobrinho {…} os doutos senhores que vão os visuais atacar, então insisto absolutamente pelo cargo de elogiador. Quero também ser português; não renuncio ao meu direito de qualquer dia ser crítico como um português o é. E você sabe que para o caso estou nas condições bastantes. Nada vi desses senhores e, como você sabe, sou inteiramente incompetente para perceber exposições, de pintura, escultura ou arquitectura. Por isso quando o dia chegar, não se esqueça você de mim!
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Tencionava dar-lhe para a Contemporânea, em seguida ao artigo sobre António Botto, um ou outro artigo da mesma espécie, sendo o primeiro um elogio – todo viciado, é certo, pelo facto de ser raciocinado e não dogmático – sobre o mestre Camilo Pessanha. Abstenho-me. Está você livre, meu querido José Pacheco, do risco que correu. Mal disse que ia escrever esse artigo elogioso sobre[24] Camilo Pessanha, me vieram pedir que o não fizesse. A esses meus detractores objectei que Camilo Pessanha não era da minha idade, e que podia portanto elogiá-lo sem que alguém se ofendesse. Responderam-me que não: que, se não era da minha idade quanto à vida, o era contudo[25] quanto à data da publicação do seu livro, e pela natureza da arte que pratica. Calei-me, porque a replica me convenceu. O raciocinador, quando raciocina mal, rende-se com respeito a quem raciocina bem.
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Não há só isto. Entre a colaboração, que pensei[26] imprudentemente eu dar-lhe para a Contemporânea, havia um artigo em que[27], na mera antecipação de escrevê-lo, eu sentia dentro de mim um carinho do espírito. Era um artigo sobre o Mário de Sá-Carneiro – um estudo um pouco longo, mas um estudo (creio) de justiça, se bem que não sem ternura, porque mesmo nós os raciocinadores, que somos convidados onde nos recebem mal e proscritos de onde nos pediram que fossemos, temos estes movimentos de amizade e de recordação que os outros mortais julgam ser-lhes peculiares.
A bom tempo veio, meu querido José Pacheco, a sua atitude para comigo e para com os desgraçados a quem faço a injuria pública de elogiar. Publicando o meu artigo sobre o Mário e publicando, digo, na sua revista no seu número seguinte, e ao banzar à opinião vulgar, viria o inevitável Álvaro Maia da ocasião, e esse veria, através de elogios à minha inteligência e à minha cultura, a conspurcação sistemática do grande artista que eu teria elogiado. Isso não, isso nunca, meu querido José Pacheco. Que a-
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conteça aos vivos, não está bem, porém é aos vivos que acontece. Dos mortos, posso ainda com o nosso grande Cesário:
Nós absortos
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__________nunca!
É uma hipótese, diz-me você, uma coisa que não aconteceria.
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E porque não aconteceria? No artigo de Álvaro Maia insulta-se pessoalmente, sem rosto nem razão, António Botto, que é um colaborador, a pedido de você, da sua revista, isto é, um convidado seu a sua casa. Se neste caso você tem esquecimentos, quantos não poderá você ter para com os mortos, que, como todos sabem, costumam esquecer depressa? De mais a mais, já você publicou, na própria Contemporânea, versos do Mário de Sá-Carneiro. Ora, como o ser colaborador da sua revista é um dos critérios para se ser insultado nela, parece-me que tenha boa razão para não ter receios.
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Não me queixo de Álvaro Maia, nem do que ele diz. Queixo-me, sim, e amargamente, do símbolo que ele é. Queixo-me de ele não ser ele, de ele ser símbolo. Queixo-me de ele não existir.
É a voz de tudo quanto, não podendo, nega; não fazendo, desdenha; não caminhando, obstrui. Preferia que fosse outro, que não Álvaro Maia, cuja amizade muito prezo, o símbolo vivo desta atitude. Foi ele, porém, que se escolheu a si-próprio. Aceito-o por o que ele me diz que é. Faço-lhe, por isso, a justiça de o não crer ele-mesmo.[28]
Propriamente o símbolo não está só nele, mas nele publicado; e nele publicado na Contemporânea. Fez você o cenário do símbolo, que ele figura. Já sabemos qual é o símbolo; resta saber o que vale a figuração.
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O meu artigo António Botto e o Ideal Estético em Portugal compõe-se de dois elementos: a demonstração do que seja o ideal, dos ideais que há, e do que seja aquele a que a designação estético distintamente compete; a demonstração de que o livro Canções, de António Botto, se conforma com os atributos[29] deste ideal.
Qualquer contraversão da minha tese força é pois que tenha uma de 3 formas: ou a demonstração[30] de que é falsa a minha análise[31], o que se fará pela refutação da estrutura lógica em que apoiei essa determinação; ou a prova de que é falsa a minha aplicação dessa tese ao livro de António Botto; ou ambas as coisas, juntas.
Poder-me-á dizer qualquer leitor do artigo de Álvaro
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Maia a qual destas espécies de refutação – fictícia embora – esse artigo pertence?
Álvaro Maia não refuta a minha tese fundamental sobre os ideais, e, derivadamente, sobre o estético. Começa a argumentação com que não me responde por esta frase inachável:________________. Isto que ele “põe de parte” é todo o meu artigo, ou antes toda a base dele; o que o meu contraditor toma por fundamento da sua resposta é um mero episódio, aliás dispensável, da minha demonstração.
Se Álvaro Maia não combate, pois que nem discute, a minha tese fundamental, claro é que não pode discutir a sua aplicação ao caso das Canções. Não aceita, nem deixa de aceitar, a minha tese; trata-a como se não existisse, e assim não pode examinar – e de facto não
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examina – se essa tese se aplica ou não ao livro de António Botto.
E, se não faz a refutação, nem a tenta, seja[32] por uma prova, seja por outra, resulta que também a não fez nem tentou, por ambos juntos, porque dois zeros somam nada.
Que faz então Álvaro Maia nas suas páginas em que não se cala? Faz isto, que é simples e em verdade revelador daquela disposição nacional de que ele se oferece para símbolo: ataca o meu artigo sem lhe responder; e insulta o assunto do meu artigo[33], a propósito de atacar o artigo.
Embora não responda, porém, alguma coisa há de dizer. Percorrendo cuidadosamente os meandros da sua prosa farta e confusa, consegue-se destrinçar cinco afirmações: (1) o livro Canções não presta como obra de arte; (2) o livro Canções é
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imoral; (3) afirmação que o amor unissexual era a essência do ideal estético; (4) escrevi um artigo que é moralmente uma porcaria, (5) sou um romântico, {…}
[Se respondo já depois de ter respondido, a Alvaro Maia é a condenação que me merece a sua insistência neste quíntuplo ataque. Essa insistência é um erro. Seria difícil escrever tão extenso o artigo para fazer afirmações que nem por acaso laboraram na verdade.]
O livro Canções, diz Álvaro Maia, não vale nada como obra de arte. Porquê? Álvaro Maia não o diz. Diz que não vale nada. Para tanto é pouco. Esta socialização da infalibilidade papal, tão peculiar nos católicos, não tem ainda direito de cidade nas coisas do raciocínio. Responde-se afirmando o contrário.
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Há uma coisa, ainda, a acrescentar. Além do símbolo moral que é, Álvaro Maia é um símbolo universal. |*Ora é certo quando se procura uma verdade ou se defende uma logica, segue-se pelo facto, inevitavelmente sempre no mesmo tom.|
Era escusada a invocação luminosa do deus dos papistas para Álvaro Maia se denotar sectário da Igreja Romana. O tom insultuoso do artigo, o substituto da afirmação dogmática à demonstração, a exagerada intrusão da moral e da autoridade em matérias onde não são chamadas[34] são os sinais quase necessários do temperamento católico. Como não o seria? Uma religião que no seu apogeu produz inquisidores, bem pode produzir insultadores no seu perigeu. E se tanto não bastasse, haveria a considerar que nenhuma outra mentalidade tão naturalmente se projecta na intolerância, o[35] ódio à arte e à beleza, a[36] ausência de espírito cristão, a[37] pressa em julgar e em condenar, no impulso em fazer tudo quanto exproba a voz dos evangelistas e amaldiçoa o exemplo de Cristo.
O catolicismo tem vários aspectos, porém nenhum tão odioso como o seu aspecto moralizador…
É o protestantismo católico – o assim crismado de todos, porque nem sequer tem uma tradição antiga |*ou absoluta com a mesma voz, a eterna voz católica|.
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A defesa apologética tradicional da religião cristã era – em poucas palavras – porque[38] era a verdade e por isso a salvação, não porque fosse a moral ou uma mais moral que as outras. Assim é que {…}
{…} e o padre Aquino {…}
E a asserção, sobrevive, irónica já e usada contrariamente, no passo célebre do Boccaccio, do judeu que se converte ao Cristianismo porque decerto era verdadeira uma religião que conseguia persistir apesar de ensinada por tais sacerdotes[39].
[1] ou /e\
[2] inconscientes /instintivos\
[3] louvor /apreço\
[4] normalmente /no homem normal\
[5] perdemos o /quanto ao\
[6] sua manifestação /(dela)\.
[7] [64v]
No primeiro caso fui anti-social, no segundo {…}
[8] a /da\
[9] |pessoalmente| /|*soezmente|\
[10] tenha /tivesse\
[11] desculpem /mo perdoem\
[12] o tom do /a inserção, a presença do\
[13] qualquer /uma\
[14] assegurado /patentemente\
[15] judeu /racionalista\
[16] os leitores /as leitoras\
[17] porém /quanto\
[18] estamos todos, que sigam as artes, /um pouco mais explosivos que se fossem de oiro,\
[19] colhendo. /estamos desmantelando.\
[20] linguagem /expressão\
[21] anterior/cedente\
[22] costumam aparecer /bem podem\
[23] pouco /escasso\
[24] sobre /(o)\
[25] contudo /todavia\
[26] pensei /pensando\
[27] em que /pelo qual\
[28] ele-mesmo. /[idêntico a si-mesmo]\
[29] atributos /característicos\
[30] demonstração /prova\
[31] análise /determinação\
[32] quer /seja\
[33] assunto do meu artigo /artigo de que fala\
[34] a ser chamados /têm cabimento\
[35] o /no\
[36] a /uma\
[37] a /uma\
[38] porque /que esta\
[39] por tais sacerdotes /por uma cúria tão corrupta e tão ignóbeis sacerdotes.\