Carta enviada por Mário Sá-Carneiro a Armando Côrtes-Rodrigues. Página 4 de 4.
Transcrição da carta:
"Paris - Junho de 1914
Dia 26
No Café Napolitano, meu querido Amigo, com o Ernest Lajeunesse ao fundo, lhe escrevo esta carta. Recebi há breve a sua - com os atrasados devidos - do choque, creio, do Sud pela Beira - mas, em especial, aqui, a greve dos correios. Estou muito comprometido. O meu Amigo escreve-me uma carta que é por si um belo pedaço de literatura - e eu respondo-lhe linhas sem gramática nem interesse, sub-gentilicaínente... Que lhe hei de dizer? A gloria de Paris... Sim, mas creia, eu que o amo tanto, tanto - e o vibro e o sinto embrenhado nele a cada instante - descubro que ainda mais lhe quero longe dele... Ah! Como me posso considerar feliz- e se não fôra por este triunfo d'Europa que me circunda - ao menos pelo longe que me vejo da sucia mal cheirosa d'alma e corpo desses carbonários espirituais daí... - É verdade, Cortes Rodrigues e você tem interseccionado muito? Não se esqueça de mo dizer e, em especial, sobretudo de me enviar versos seus, se não lho repugne - pois seria para mim uma grande gloria - a beneficiar-me a Alma -. O Pessoa exemplar em cartas e em me enviar as suas últimas interseccões. Se você lhe seguisse o exemplo eu ficar-lhe-ia muito grato - E conte-me, não se esqueça, também o resultado dos seus concursos - brilhantes por certo. E os seus projetos: permanência em Lisboa, Ilha?... Ah! se você porfiasse nos seus projetos e surgisse por aqui!... Vai-me perdoar, não é verdade, a infâmia cinzenta desta carta sub, subíssima.... Mas estou muito estúpido - nada disposto p[ara] escrever -e se não fosse não querer demorar a resposta à sua carta - já adiada em vista da greve - eu nem lhe escreveria hoje... deixe estar, outra vez que o meu espírito esteja mais destrinçado lhe pagarei a sua bela carta, humildemente. Por enquanto nada de literário tenho feito - ou quasi nada. Mas no próximo mês recomeçarei afincadamente, devendo ao termo dele concluir a grande sombra. Muitas saudades, mutos abraços do seu, infinitamente grato
Mário de Sá-Carneiro
50 rue des Écoles
Escreva Sempre!..."