[BNP/E3, 14E – 75-76]
A Confissão de Lúcio.
O livro todo é degenerescência.
Na triste personagem chamada Gervásio Vila-Nova está estampada a degenerescência inferior. O sr. Sá-Carneiro chama genial a esse sr., sem que do romance conste porquê. Percebe-se facilmente a razão de tudo. Qualquer criatura não de todo destituída de perspicácia percebe que se trata de uma criatura real. Não sei, certo, até que ponto está desvirtuada essa criatura. Mas não o deve estar muito. Sem querer, o sr. Sá-Carneiro faz-nos um perfeito estudo do género de cretino que habita os cafés de Paris e que da civilização sabe só o que são os cafés e os music-halls.
É o tipo de blagueur banal, como entre empregados do comércio há inúmeros, reservada a diferença, por mais sã e mais engraçada da blague, o deste último.
O estudo psicológico – não sei com que lucidez feito – é quase superior. A {…} de Lúcio Vaz entra na espécie nosológica chamada a confusão mental.
[76r]
A sexualidade das figuras do autor é de uma ingenuidade tocante. Todos eles falam como colegiais – que é o que eles todos são, a julgar pelo que dizem – ainda virgens. Certas palavras, certos modos de dizer, certas descrições – que seria melhor o autor não ter tentado – revelam uma tal ignorância das atitudes sempre do par sexual, um tão ignominioso desconhecimento dos gestos tanto acessórios, como fundamentais – e tanto físicos como psíquicos – da acção sexual, que passamos da inocência do autor ao tentar fazê-los, a pensar que estava revelando elementos de si próprio que naturalmente não queria revelar.
A Confissão de Lúcio é apenas a Confissão do sr. Mário de Sá-Carneiro. Com característica ingenuidade, mal sabe o autor quanto confessa de si especialmente para quem, como um psiquiatra batido em aplicações da sua ciência à literatura, {…}
Quanto mais sexualmente nos fala, mais sexual se nos revela.
No fim acabamos por ter uma grande piedade médica por ele.